As confusões de Mottola, Lopez e Ja Rule que tiraram o brilho de Mariah Carey


“Loverboy”, primeiro grande fracasso de Mariah Carey, comemora uma década. Enquanto publicamente a cantora fora ofuscada, nos bastidores houve roubo, plágio e sabotagem.
Certamente você já ouviu falar sobre a derrocada de Mariah Carey após o lançamento de “Glitter”, um projeto ambicioso, envolvendo um filme e uma trilha sonora, que consumiu milhares de dólares e horas a fio de trabalho. Mas, para espanto da cantora, fora um fracasso. Talvez, pelo fato ter ocorrido há muito tempo, você não sabe ao certo os principais motivos que levaram a isso, não é mesmo? Ou talvez nem saiba o que aconteceu nos corredores da Sony Music.
Em resumo, Carey lançou o disco antes do longa, obteve críticas pesadas e não alcançou boas vendas nem posições altas em chart algum. Para completar, seu relacionamento com o cantor mexicano Luiz Miguel chegava ao fim. Sem mais nem menos, a cantora pirou e foi internada duas vezes – a imprensa especulou tentativa de suicídio, enquanto a versão oficial afirma “estafa mental e física”. Acha pouco? A première do filme nos Estados Unidos foi marcada para o fatídico 11 de setembro. As torres caíram, e a maior cantora da década de 1990 foi junto.
O golpe de misericórdia veio pouco tempo depois, quando no início de 2002, a Virgin – subsidiária da EMI – rompeu o contrato de mais de 80 milhões de dólares que havia assinado com Mariah para a produção de quatro discos, sendo que apenas um foi lançado. Foi o maior valor já pago a qualquer artista ou banda de qualquer gênero até então.
Há exatos dez anos, em 16 de julho de 2001, a faixa “Loverboy” – primeiro single de divulgação – era lançada. A canção conseguiu alcançar – com muito custo e marketing – o segundo lugar na Billboard Hot 100, o que para qualquer artista seria um êxito. Não para Mariah que, até então, sempre figurou em primeiro lugar nos charts com seus carros-chefes. Foi um presságio do que estaria por vir, e os bastidores trazem à tona o que foi pontapé para essa fase ruim.




Em 2002, menos de um ano após o lançamento, estourou na imprensa internacional uma notícia que jogou luz sobre o inferno astral de Carey. Tommy Mottola, seu ex-marido e até então todo poderoso na Sony Music – gravadora onde ela permaneceu por uma década – havia usado Jennifer Lopez como bode expiatório para sabotar “Glitter”. Como assim? Mas ela não estava em outra gravadora? Estava, mas senta que lá vem história…
Mariah trabalhara cuidadosamente, tanto no novo álbum como no filme, há um bom tempo. O projeto “Glitter” foi iniciado, precisamente, na virada de 1998 para 1999. A cantora havia gravado inúmeras faixas, inclusive “Loverboy”, bem antes de sair da Sony e correr para os braços da EMI. Originalmente, a canção utilizava samples de “Firecracker”, lançamento de 1979 do Yellow Magic Orchestra, um influente grupo japonês de música eletrônica.
Para a trilha sonora, Mariah convocou várias estrelas do hip hop e trouxe uma proposta vanguardista: resgatar a sonoridade do anos oitenta – o filme se passa nesta época – com uma pegada mais funk. Seria a mistura perfeita da disco music com o urbano. Entre os convidados, figurava o rapper Ja Rule – na faixa “If We” – que teve a sua parcela de culpa em toda essa enrolação. Mas, antes, continuemos com “Loverboy”.
A ordem, para todos os envolvidos, era de sigilo total. Ninguém entrava ou saía do estúdio sem o consentimento de Mariah. A preocupação com segurança era tamanha, que nenhum dos DJs responsáveis pelos remixes oficiais de “Loverboy” tiveram acesso à música.




Mas algo cheirava mal na alta cúpula da Sony. Bem antes de “Glitter” ser colocado no mercado, ou mesmo “Loverboy” ser lançada, Jennifer Lopez também pediu permissão para usar samples de “Firecracker”. O fato ocorreu um mês após Mariah ter conseguido os direitos para usar trechos da música. Curiosamente, ninguém havia utilizado tal samples antes. Lopez, então, teria gravado às pressas a faixa “I’m Real” sob a tutela de Mottola, que espertamente suprimiu ao máximo o seu nome de qualquer canção do disco “JLo”, lançado em janeiro de 2001.
Enquanto “Loverboy” teve o seu lançamento em 16 de julho, “I’m Real” ganharia toda a pompa e circunstância do marketing da Sony uma semana depois. Ao receber a notícia sobre o novo single de Lopez, com os mesmos samples e em uma data próxima, Carey precisou se virar nos 45 do segundo tempo e adaptar “Loverboy”, dessa vez inserindo trechos de outra música. “Candy”, do grupo de funk Cameo, foi a escolhida; afinal, tanto a versão original como a remix – também disponível em “Glitter” – usavam pedaços da faixa. No fim, ambas ficaram quase idênticas, exceto pelos rappers Da Brat e Ludacris na versão remixada.
Mariah, que havia se precavido em vão contra espiões, tinha um outro inimigo pior ao seu lado. Não satisfeito, Mottola encomendeu aos empresários de Ja Rule uma parceria com Lopez nos mesmos moldes da que havia feito antes com Mariah. Assim, um remix de “I’m Real” surgiu. A ordem, dada por Mottola, era para que o rapper copiasse ao máximo “If We” – mas sem deixar na cara.
Os dois casos, tanto o do pedido de permissão posterior para uso dos samples como a intervenção de Mottola na parceria com Ja Rule, foram confirmados. O primeiro, pelos detentores dos direitos da música “Firecracker” à equipe de reportagem da FOX News. O segundo, por Irv Gotti, ex-executivo do rapper, para a revista norte-americana XXL. A Sony Music, é claro, negou todos os fatos. Tudo não havia passado de uma infeliz coincidência.
Os resultados para Mariah Carey foram desastrosos, como dito no início da matéria. Apesar de ela ter conseguido sair da Sony mesmo devendo um disco, e ter firmado um contrato de 80 milhões de dólares com a EMI/Virgin, os números de “Glitter” – tanto do álbum quanto do filme – foram péssimos. A nova gravadora rompeu o seu contrato, pagando 49 milhões de dólares de rescisão. O disco e o filme haviam sido lançados, ironicamente, em 11 de setembro, mesmo dia dos atentados terroristas no World Trade Center. Já no cinema, a arrecadação com bilheteria não alcançou, nem de perto, os investimentos feitos em sua filmagem – especulações dariam conta que até no longa, custeado pela Sony Pictures, Mottola interviu negativamente contra sua ex-esposa.
Mariah voltaria a lançar um álbum em dezembro de 2002, sob o selo Island/Def Jam – subsidiária da Universal Music. “Charmbracelet”, mesmo com uma grande turnê de divulgação, manteve a cantora no limbo. Em 2005, finalmente, ela voltaria a brilhar com “The Emancipation Of Mimi”, LP mais vendido daquele ano. Algum tempo depois, após os ânimos esfriarem, indagada sobre a sua pior fase, Mariah respondeu que “Glitter” virara pó. Mas a sujeira de Mottola e Ja Rule, felizmente, não ficou para sempre debaixo do tapete.